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SUPERANDO O SUICÍDIO
Publicado por carlosevangelistajor ⋅ 30 de junho de 2025 ⋅ Deixe um comentário

Tags:
Desabafo, Fraqueza, Pensamentos, Perdão, Possessão, Traumas
Contos – Carlos Evangelista
Eram três irmãos; Melquidemastor, Melquizedeque e Melquisonodor, de dois, quatro e sete anos de idade respectivamente. Todos nascidos em Querência do Norte, Região Norte do Paraná. Os três eram filhos da Senhora Aparecida e do Senhor Melquidomus.
Família simples que vivia na roça na condição de arrendatária de um bom pedaço de terra onde plantava mandioca e criava algumas cabeças de vacas, porcos e galinhas. Embora vivendo na simplicidade, parecia ali morar uma família unida, onde os pais trabalhavam de sol a sol na Iida da lavoura e as crianças brincavam nos rios, no mato e quando tinha tempo o pai construía brinquedos para os filhos, fosse um carro de boi, um estilingue, ou um boneco de palha.
Hoje, homem formado, com seus quase cinquenta anos de idade, entre uma bebida e outra, Melquizedeque foi contando sua história, a partir do suicídio de um policial exemplar, ocorrido num bairro populoso da grande e bonita Curitiba.
Com seus olhos claros, de estatura mediana, bem desenvolto nas palavras, Melq foi narrando a sua trajetória, dizendo que nada justifica o suicídio, seja por pobreza, amores, depressão, dívida ou fraqueza psiquica. “Se fosse assim eu já estaria morto há muito tempo”, disse ele. Pensa você, prosseguiu, eu tinha quase seis anos de idade e por isso lembro bem pouco do fato, mas algumas cenas e comentários teimam permanecerem vivas na minha imaginação. Eu tinha dezoito anos de idade quando um dia, portando meu inseparável revólver 32, bebi tanto num lupanar que perdi a noção de tempo e espaço e do nada saquei a arma, apontei na minha cabeça e puxei o gatilho duas vezes. Os tiros falharam e rapidamente um colega segurou em meu braço bruscamente e fez mudar a direção dos três disparos que em seguida ocorreram aleatoriamente sem ninguém ser ferido. “Foi por Deus” – definiu.
Mas porque você queria se suicidar? lndagou um homem. Melquizedeque então disse. Acho que pela primeira vez na vida fui possuído por uma fraqueza aterrorizante como se o maldoso demônio quisesse se apossar da minha cabeça me fazendo lembrar cenas horríveis da minha infância.
Basta dizer que eu tinha menos de sete anos de idade, quando minha mãe matou meu pai com dezenove facadas e jurou matar os três filhos. A polícia prendeu minha mãe e cada irmão foi doado para uma família. Seis anos depois, tão logo deixou a prisão minha mãe casou-se com um homem bom, que prometeu juntar os irmãos. Quando estava quase juntando as crianças, minha mãe surtou e a todo custo queria matar o meu irmão mais velho. Meu padrasto tentou impedir e foi morto com dez facadas. Daí cada irmão sumiu no mundo.
Com dez anos de idade, fui morar sozinho numa fazenda, onde aprendi lidar com gado e lavoura. Com dezesseis anos, já proprietário de uma pequena chácara e alguns outros bens, fruto do meu trabalho, certa feita fui à Querência do Norte, matar saudade do tempo de criança e soube que minha mãe havia saído da cadeia e novamente estava casada e vivia na região. Então certa feita fui numa venda e lá estava minha mãe, que, ao me ver disse que parecia me conhecer. “Eu te conheço Galego! Não sei de onde, mas te conheço, Galego”. Eu nada disse e me retirei. Dois anos depois, soube que minha mãe havia matado o seu parceiro pondo fogo na casa. Totalmente fora de si o fogo chegou até ela que morreu queimada na porta da casa.
Essa é minha história amigos. Agarrei-me com Deus e nunca mais tentei me matar. Penso sim, em breve ir até o túmulo da minha mãe e dizer que perdoei tudo o que ela fez. Melquizedeque em lágrimas, diante de nós, agradeceu por ouvirmos a sua história, sem nada julgar.
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Carlos Evangelista é jornalista e especialista em Sociologia Política (UFPR). Este texto reflete as opiniões do autor. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.