Carlos Evangelista

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Professora fazendeira

Publicado por carlosevangelistajor ⋅ 29 de março de 2025 ⋅ Deixe um comentário

Tags:

Contextualização, Contos, Leitura, Literatura, Reflexão

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Contos – parte integrante do livro Verdades & Relatos 2023                                  

  Hoje aos 53 anos de idade, Edilaine ao passear nas praias de Caiobá, Balneário Camboriú, Jurerê, Praia do Rosa e outros belos balneários, é mulher pra homem nenhum botar defeitos. Seus atributos de feminina ultrapassam os padrões da mulher comum. Mas nem sempre foi assim. Edilaine nasceu debaixo de um pé de café, lá na beira do Rio Paraná, mais precisamente no distrito de Boa Esperança, hoje Esperança Nova, Estado do Paraná. Filha oitava de agricultores aprendeu cedo que a vida é feita de sorte e é dura pra quem é mole.

  Quando menina, aos oito anos cursava a escola primária andando todo dia cinco quilômetros pra ir e cinco pra voltar. Aos onze anos, saudável, nadava nos rios, montava em animais, trabalhava na roça, brincava com os meninos e meninas, fosse de dia ou de noite. A simplicidade da vida permitia tamanha confiança.

  Começou aos doze anos uma tímida criação de galinhas e porcos. Logo os bichos reproduziram e aos quatorzes anos comprou uma bonita bicicleta rosa com faróis, freios bons, retrovisores, buzina e bom assento. Chegava suada e feliz no colégio estadual. Logo depois comprou também um cavalo tordilho e vivia no lombo do arisco animal. Um dia seu cavalo sumiu. Dizem que foi roubado pelos ciganos que por lá passaram. Edilaine chorou muito pela perda do seu estimado equino.

  Com o advento da forte geada de 1975, que dizimou a cafeicultura no Noroeste do Paraná. Edilaine foi a primeira a se mudar para a cidade grande em busca da realização do seu sonho maior; ser professora universitária. A família relutou enquanto pode para manter a já mocinha na escola onde frequentava um curso de científico, que na opinião dela pouco servia.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

  Chegando à bela Curitiba, Edilaine ficou deslumbrada com as mil e uma possibilidades de crescer, realizar sonhos e até se casar. Decidiu ficar. Quinze dias após, retornou a Boa Esperança, para comunicar a família a sua intenção de ir embora. Para tanto venderia suas aves e porcos pra começar a vida na cidade grande.

  Edilaine que acabava de completar dezoito anos se mostrava uma mocinha linda, porém sempre discreta no seu modo de vestir. Não queria ser valorizada apenas por causa do rosto bonito, dos longos cabelos pretos, da boca parecida com uma cereja, das pernas bem torneadas, do bumbum avantajado, dos seios arredondados, etc e tal. Queria estudar, ser professora; ensinar.

  Tão logo se matriculou no curso de magistério, foi morar com duas amigas num pequeno apartamento lá na Água Verde, sob o pretexto que ficaria mais à vontade para estudar. Logo sentiu que precisava trabalhar para poder pagar as contas que só aumentavam. Procurou emprego em diversas empresas. Não era aceita por falta de experiência. Decidiu trancar a matrícula no curso de magistério e optou por fazer um curso técnico de auxiliar de enfermagem.

  Ainda durante o curso, Edilaine arrumou emprego num hospital e lá fez amizade com o advogado Stefano, viúvo, que estava internado, muito doente naquele hospital. Edilaine se sentia útil naquele emprego, mas queria mesmo era ser professora. Stefano recebeu alta para prosseguir o tratamento em casa. Antes, porém, convidou a moça para ser sua enfermeira auxiliar e para isso pagaria pelos serviços prestados, como uma renda extra em suas folgas, deixando com ela o endereço e o número do telefone fixo da sua casa. Stefano deveria ter lá os seus cinquenta anos ou mais e Edilaine no viço dos seus vinte anos incompletos.                                                                                                                                                                                        

  Decorridos uns sessenta dias, Edilaine resolveu telefonar para Stefano, que ficou contente com o contato, falando das boas e más notícias, convencendo Edilaine a ir até sua casa no Jardim Social, para um café e conversas amistosas. Stefano estava reagindo bem ao tratamento e sua aparência era bem melhor que aquela tristonha durante o período no hospital. Porém, Stefano reclamava da cara fechada da sua atual enfermeira que dele cuidava. Ela só quer o meu dinheiro, às vezes até troca os remédios. Penso demiti-la, relatava ele.

  Demorou pouco, Edilaine já estava cuidando de Stefano, sempre que podia e assim foram estreitando os laços de amizade, com vários mimos que recebia daquele homem, que a medida que se recuperava parecia ficar cada dia mais bonito aos olhos dela, que aceitou convite para morar num quarto daquela casa grande. Assim não precisaria pagar aluguel e alimentação.

  Viúvo, livre e sem filhos. Stefano foi se apegando a ela e ela a ele.

  Stefano curou-se e voltou a advogar e curtia a vida, como dizia ele, todo feliz. Stefano levava e buscava Edilaine no trabalho, sempre a tratando com muito carinho, respeito e cavalheirismo, discretamente procurava ensinar Edilaine a ser uma mulher mais requintada. Gostava da companhia dela durante alguns eventos sociais.  Até que certo

dia pediu a moça em namoro, em seguida em noivado. Em menos de seis meses estavam casados no papel e tudo, em regime universal de bens. Edilaine Rodrigues da Silva, agora era Edilaine Rodrigues K. Walback.

  Há mais de dois anos trabalhando no hospital, Edilaine se sentia cansada por gozar poucas folgas. Queria tirar um mês de férias para conhecer São Paulo, Rio de janeiro e o Nordeste. Stefano, muito apaixonado, rapidamente providenciou a viagem, reservando transporte, hospedagem, etc. Ambos estavam felizes e ainda mais apaixonados no retorno da viagem.

  Stefano gostava de levar a mulher para visitar a família dela no interior. De lá seguiam para as compras no Paraguai, as Cataratas do Iguaçu, ficando, às vezes, a semana inteira em luxuosos resorts ou hotéis. A vida de Edilaine havia mudado e estava ótima. Seu único homem a fazia muito feliz.                                                                                                

  Edilaine teve o apoio do marido para sair do hospital após quatro anos. Pretendia se dedicar ao curso de magistério. Permanecia latente o seu desejo de ser professora. Agora estudava, cuidava do marido e da casa. Stefano era vazectomizado.

  Durante as festividades em comemoração ao sétimo ano de casamento e a formatura da esposa no curso secundário do magistério, Stefano, acompanhado de um amigo advogado, foi a um cartório deixar um testamento público, onde deixava a casa, imóveis, ações, veículos, saldo das contas bancárias, etc, em favor de Edilaine. A felicidade reinava naquele casal. Ela com vinte e sete e ele com sessenta e dois, ambos saudáveis e felizes. Edilaine estava muito contente, pois havia passado no vestibular de letras vernáculas, numa destacada universidade de Curitiba, com habilitação em português e inglês. Em quatro anos estaria formada professora. Faria um bom curso intensivo de inglês e prestaria concurso público no Estado. Tudo transcorrendo normal e serenamente naquela relação do casal.

  Com nove anos de casamento, Edilaine se formaria professora no ano seguinte, tudo conforme o planejado. Era semana de natal e Stefano recebeu uma notificação da Prefeitura de Matinhos, cobrando IPTU, taxas, essas coisas. Não hesitou e pra lá foi de carro resolver o problema, prometendo retornar a tardinha, após solucionar as pendências e depois pretendia dar um mergulho no mar da praia mansa de Caiobá. Tudo concretizado era hora de subir a serra até Curitiba. Em sua BMW, luxuosa e super segura, acabava de percorrer a Estrada Alexandra-Matinhos, meio arrependido por não ter trazido a esposa, mas talvez, ao chegar à capital iria até um shopping comprar um presente bem bonito a ela, como prova do seu amor.                                                                                                                                                                                                                                                                               

   Mas que nada, envolto em muitos pensamentos, no quilômetro 42 da BR- 277 descuidou-se um instante e o carro bateu do guardi rail da estrada, desgovernou e caiu num precipício perto do Viaduto dos Padres. Ali morrendo na hora.                                                                                                         

  A polícia comunicou Edilaine e o corpo foi velado e sepultado com a esposa sempre em prantos pela perda do marido. Alguns dias se passaram e Edilaine tomou ciência dos bens a ela deixados, entre imóveis, salas comerciais, veículos, ações, etc, perfazendo mais de quarenta milhões de herança, além de uma gorda pensão. Edilaine precisava repensar sua vida. Decidiu vender parte do patrimônio e comprou a Fazenda Estrela, com cento e trinta alqueires, de porteira fechada, parte ideal da Fazenda Uberaba, dona de quase mil e quinhentos alqueires de terra, localizada na cidadezinha, onde Edilaine foi criada. Tornou-se fazendeira pecuarista.   

  Edilaine precisou trancar a matrícula na faculdade por cinco anos para melhor gerenciar seus negócios. Mas o sonho de ser professora universitária continuava vivo e ela decidiu realizar o sonho. Concluiu a graduação, emendou com um mestrado. Foi aprovada num concurso federal para docência. Ganhou bolsa de estudo e na França iniciou doutorado na área de educação.

  Sempre que pode Edilaine K. costuma parar e rezar pela alma do ex, diante de uma bonita capelinha que mandou construir no coração da Serra do Mar e lá parece ver Stefano sorrindo diante da ex-companheira.

  Com pouco mais de cinquenta anos de idade, apaixonou-se por um político renomado que após seis anos de relacionamento faleceu e deixou mais um pouquinho de bens a agora professora e fazendeira Edilaine Walback, que usufrui dos avanços da estética facial e corporal para esbanjar charme, beleza, sedução e simpatia nas bonitas praias do Paraná e Santa Catarina. Casar, diz ela, nunca mais. Porém, pensa agora ser deputada federal.

Carlos Evangelista é jornalista e especialista em Sociologia Política (UFPR). Este texto reflete as opiniões do autor. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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