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Radarani
PUBLICADO POR CARLOSEVANGELISTAJOR ⋅ 29 DE SETEMBRO DE 2023 ⋅ DEIXE UM COMENTÁRIO

Tags:
Balelas literárias, Entretenimento, Estória, Poesia
Conto – Carlos Evangelista
Agora adulta aos 36 anos Radarani ainda costuma dizer que um terrível afogamento quando tinha cinco ou seis anos, é ainda um trauma muito grande que precisa ser melhor trabalhado para a cura total. Guarda como boa lembrança indo à missa com o pai adotivo aos domingos no então distrito de São Jorge do Patrocínio, mais precisamente na localidade da Gurucaia, onde nasceu e cresceu Radarani, carinhosamente apelidada de Rada.
Olhos pretos e graúdos, cabelo amarelado e escorrido evidencia o traço da mistura negra europeizada, carregando genes dos pais biológicos, que por querência do destino, doaram a menina aos dois anos de idade para um casal de descendentes italianos, residentes na região.
A vida de Rada tinha tudo para ser boa e feliz. E era, enquanto ela costumava dizer que tinha dois pais. Se um era bom o outro era melhor. Porém, em julho de 1997 ela perdeu o pai adotivo e no mês de setembro do mesmo ano faleceu o seu pai biológico. Pesadelos e traumas surgiram. Por mais que gostasse da vida, era muito triste não ter mais os pais. Nas mãos da “madrasta” a travessia ficava cada vez mais difícil. Trabalhar na roça e se amoitar nas margens dos rios tornava corriqueiro demais.
Com o sumiço da mãe biológica – de origem africana, Radarani não conseguia absorver sua anunciada vida dura, desamparada, sem referência e muito desesperada. Estudar era a solução. Frequentou com disposição a escola primária, distante quatro quilômetros de casa. Encarou o ginásio, superando todas as barreiras no seio familiar, indo do rigor da mãe e dos irmãos adotivos…
Mocinha de olhar tristonho, mas esguia na estrutura de mulher e lépida nos movimentos e respostas. Aos 13 anos sua primeira menstruação a deixou perplexa e ainda mais assustada com a vida. O
que era aquilo?! Sua mãe adotiva nunca havia falado dessas coisas. A quem pedir ajuda? Que nada, a própria vida se encarrega de oferecer respostas a tudo que queremos saber. E foi assim que aos dezessete anos se fez mulher, se amasiando com um rapaz. O ajuntamento se deu em decorrência de não estar mais suportando tantos maus tratos e falta de perspectivas de uma vida melhor.
Novos ares, novos desafios, monotonia, foi o estudo mais uma vez a saída para a melancolia tortuosa que se apossava de Rada. Iniciou e concluiu o ensino médio.
Estacionada por falta de condições (…) para iniciar uma faculdade, sente uma dor profunda ao ver a juventude se esvair e ela trancada em sua casa, emprestada pela sogra. Não, não. É preciso reverter o quadro, caminhando em direção a realização enquanto ser humano. Aceita com facilidade ser esposa fiel. Porém quer sair, quer sinal verde do esposo/companheiro para crescer e buscar novos conhecimentos nas universidades. Com sorte, talvez até consiga uma bolsa de estudos. “Tenho muito a realizar como gente”. Sonho ser policial/investigadora, militar, agente de segurança. Outras vezes penso ser bióloga ou advogada. Sonho conhecer Curitiba, São Paulo, a Amazônia, Madri, Rio de Janeiro, Estados Unidos, África, etc. Gostaria muito poder saber da minha mãe biológica que desapareceu. Quero ter meus CDs do Renato Russo, Bon Jovi, dos Bidis, da Shakira, meus pôsteres dos atores Luciano Zafir e do Tiago Lacerda. Sou meio decepcionada comigo por não ter imposto a realização do meu sonho de me vestir de noiva no casamento. Isso não aconteceu na minha vida.
Começo pensar em ser mãe. Acho que jamais adotaria um filho. Prefiro contribuir com orfanatos.
Deus é o nosso Rei. Assim somos príncipes e princesas. Portanto merecemos ser felizes. Pretendo ser católica praticante; sem Deus nada somos. Sonho ser independente financeiramente falando. Gosto de viajar e estou me abrindo para novas amizades saudáveis. Aprecio música instrumental, pop inglesa e espanhola. Me preocupo com o
Brasil. Entendo que as divisas comerciais devem ser abertas para maior movimentação aos produtos de exportação e maior relacionamento com
os países das Américas. Não conheço o mar, mas acho que ele é calmo, azul e refletor da terra. Preciso um dia conhecer o mar. Admiro a natureza. Como parte integrante dela fico deveras preocupada com as guerras e tantas agressões contra a mãe natureza, seja nos testes nucleares nos mares, nas florestas, nos rios, etc. Entendo também que não precisarei me tornar uma prostituta para vencer naquilo que quero. Jamais pousaria nua por dinheiro, mesmo porque meus dotes físicos (1,70m de altura e 56kg) não me permitem sonhar abilolada em ser modelo. Não é a minha praia. Sonho mesmo é ser policial. Pistola em punho, diante dos maus feitores, buscando sempre a paz. É aqui na terra mesmo o céu e o inferno. Não me iludo com essa história de que o Presidente da República vai acabar com o medo, a violência e com as angústias do Brasil moderno, ou mesmo se esforçar pra melhorar a minha vida. Eu sim que vou ter de lutar dobrado pra conseguir realizar os meus sonhos. A vida está difícil ou sem graça? Abra o seu coração e vai buscar Deus; O médico das causas impossíveis. Nada de ficar
contando com o programa “Fome Zero” para redução dos seus problemas.
As vezes falo bastante para esquecer um estado anêmico por causa de umas complicações no estômago. Sinto que preciso ter pressa de viver. Se Deus me devolver a minha saúde, coragem não me falta para guerrear.
Será mesmo verdade que muitos sonhos não realizados provocam cólicas e até úlceras gástricas?! Acho que é daí que a minha dor de estômago procede.
Com depressão sob controle e dinheiro para custear meus passos, acredito em mim e sei que precisarei ter força e garra na concretização dos meus sonhos maiores. O resto, bem, o resto tem Deus a suprir as nossas fraquezas. “Mas que a falta de realização pessoal e profissional provoca na pessoa um desespero terrível, isso é incontestável”. Mas é preciso erguer a cabeça e enfrentar os inevitáveis desafios de todo Santo Dia. Diz a agora Guarda Municipal.
Carlos Evangelista é jornalista e especialista em Sociologia Política (UFPR). Este texto reflete as opiniões do autor. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.